Cavalos lendários
Bucephalus
Conteúdo
Prólogo
Prólogo
21 de julho, 356 AC
No dia em que Alexandre, o Grande, nasceu, também houve outro evento que mexeu com a humanidade. Uma das Sete Maravilhas do Mundo, o Templo de Ártemos em Éfeso (atual Turquia) foi incinerado por um homem chamado Heróstrato. Sob tortura, ele confessou que estava disposto a pagar qualquer preço por glória e fama, e que não havia pensado em outra maneira de se conseguir isso. Ele foi levado a julgamento perante o povo, que olhava para ele com ódio e desgosto.
Mas se os juízes e a multidão não estivessem tão cegos de raiva, teriam notado a Sibila no meio da escuridão, sendo iluminada pelas chamas do templo. Os olhos da anciã rolaram para trás e ela começou a convulsionar violentamente, gritando em um transe profético. Um sacerdote que sobrevivera ao incêndio a segurou, evitando que caísse por conta do coma que a acometera e duraria dias e dias. Mais tarde, ele gravou as palavras da Sibila em uma tabuleta de cobre. O que ela disse parecia ser a voz dos deuses do Olimpo:
Prólogo
Grande é a ira de Ártemis, filha de Zeus. Ela teria usado as próprias mãos para punir o perpetrador desse sacrilégio mortal. Ela teria atravessado o coração dele com uma flecha de prata se não fosse por causa de outro assunto mais urgente. A deusa ainda observa o nascimento da criança que forçará o respeito aos deuses por todo o reino dos humanos. Ártemis, deusa da caçada, na natureza e dos animais silvestres, deusa das parteiras e deusa da Ursa Maior, roubou uma estrela da constelação de Centauro e a deu ao recém-nascido para que ele fosse guiado em seu destino glorioso. Assim, ele ficará sob a proteção daquela criatura mística, metade homem, metade cavalo, e seu destino será vinculado ao de Quíron e dos cavalos.
Mas o insulto de Heróstrato não deve se repetir jamais. Os homens não devem competir com os deuses. Os delírios de grandeza e glória são fraquezas terrenas que não devem pôr em risco o reino dos deuses nem dos humanos. Então, Ártemis concedeu outro poder à estrela: se, por azar, seu dono fosse tomado por loucura ou raiva, ou se sua ganância ultrapassasse a razão, a estrela o levaria à ruína.
Prólogo
Enquanto guardar essa estrela, nenhum homem poderá derrotá-lo. Enquanto permanecer humilde e honesto, sensato e sábio, ele será invencível. Mas se ele esmorecer, será consumido pela ira de Zeus.
Naquele instante, a criança que um dia se tornaria Alexandre, o Grande, um dos maiores conquistadores do mundo, deu seu primeiro choro.
Em meio as dores do parto, rainha Olímpia, sacerdotisa de Zeus e esposa ambiciosa de Filipe II da Macedônia, interpretou o oráculo de Ártemis como um presságio. Mas, apesar da exaustão, um sorriso de vitória escapou de seus lábios. Qual mãe não sonha com um destino formidável para o próprio filho? Com a ajuda dos deuses, ela faria de tudo para educar Alexandre e levá-lo ao posto ao qual fora destinado. Ele realizaria os sonhos de poder e glória da mãe. Ela não acreditava no conselho da Sibila. Se Alexandre teria a proteção dos deuses, por que ela se preocuparia com modéstia e moderação? Ele seria o maior dos homens, um líder de exércitos que será reverenciado até o fim dos tempos.
Prólogo
Quando a parteira entregou o bebê para a mãe, Olímpia o segurou em seus braços e o abraçou com carinho. Foi então que sentiu uma agulhada bem no pescoço. Ao afastá-lo, percebeu uma estrela de bronze na mãozinha de seu filho. Naquele instante, ela entendeu o poder da estrela, um objeto destinado a Alexandre e mais ninguém. Por achar que o oráculo era exclusivamente para ela, acreditou que ninguém mais sabia da estrela. Mas a parteira tinha visto a estrela de Ártemis, e Olímpia não podia arriscar que seu segredo fosse revelado. Por fim, a parteira morreu pelas presas das cobras que vigiavam Olímpia em seu sono. A estrela de Ártemis, filha e mensageira de Zeus, será o símbolo secreto do pacto dos deuses de tornar Alexandre invencível e imortal.
Um outro Templo de Ártemis foi construído em meados do século IV AC no mesmo lugar do primeiro. Mais tarde, o templo foi pilhado pelos ostrogodos em 263 DC e então queimado pelos cristãos em 401 DC. O imperador Justiniano o destruiu por completo ao retirar as colunas para construir o Grande Palácio de Constantinopla. Como muitos depois dele, Justiniano passou
Prólogo
muito tempo tentando decifrar o significado das palavras gravadas na placa de cobre que ele encontrara em uma das colunas de pedra. Quem não gostaria de ter a estrela dos poderosos deuses? Ele guardava a profecia em seu palácio, enrolada dentro de um enorme tapete bizantino, que ficava escondido na sua biblioteca em meio a muitos outros tesouros.
Por sorte, ou destino se preferir, Alexandre atravessou o Éfeso quando tinha vinte e três anos de idade e até mesmo ofereceu aos gregos reconstruir o templo, mas o populacho ficou com medo e recusou a proposta. Então ele seguiu sua jornada, sem nunca olhar para a placa de cobre presa a uma das colunas do santuário do templo.
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Capítulo 1
A Rede
— ‘Liberte a Babilônia além das areias e siga a água, as lágrimas divinas de ouro e sangue no templo de Zeus’... Professor Temudjin, se o último cavaleiro do exército de Alexandre, o Grande, deu o fragmento da estrela aos sacerdotes de um templo de Zeus, a rota que reconstruímos não bate com a que ele tomou. Desde 326 AC até quando o império foi dividido entre seus generais, nos anos após a morte de Alexandre em 323 AC, não encontramos nenhum vestígio histórico ou geográfico de templos dedicados a Zeus naquela região. E, seja como for, demoraríamos anos para desenterrar qualquer pista no deserto, que nem Gérasa na Jordânia!
— John, o Templo de Zeus em Gérasa é romano, e não grego, assim como muitas das tais ruínas greco-romanos após a morte de Alexandre — explicou pacientemente o professor.
— Eu sei professor, mas é que estou ficando desesperado. O Hannibal já tem quatro dos cinco fragmentos do selo de Alexandre, o Grande... E eu não sei se vamos conseguir o último fragmento antes dele.
Capítulo 1
Os membros da Rede, exaustos após tanta pesquisa, parecem completamente desalentados pela conclusão de John. Até que uma voz feminina quebra o silêncio fúnebre.
— Professor?
— Pode falar, Leyla.
— Vamos desde o começo. Estamos certos de que o cavaleiro, ainda carregando o fragmento, cruzou o deserto sírio. Sabemos que ele foi em direção ao sudoeste, partindo da Babilônia, sem passar do Mar Mediterrâneo ou do Mar Vermelho. Isso significa que a área de busca está limitada à região entre o sul da Síria, o noroeste da Arábia Saudita e a Jordânia. Para sobreviver nestas terras desertas, ele deve ter percorrido um caminho no qual era provável encontrar água, buscando poças e oásis que ficavam, muitas vezes, separados por vários dias de caminhada. Ele deve ter encontrado tribos nômades, que viajavam em caravanas de uma cidade para outra, espalhando suas crenças por onde passavam. Será que o cavaleiro, vagueando por essas terras desconhecidas, tenha conhecido os representantes de outro deus, similar a Zeus?
Capítulo 1
— Leyla, você é um gênio! — grita Salonqa. — As caravanas estavam transportando “lágrimas divinas de ouro branco”, incenso precioso do Sultanato de Omã, naquela época, do Egito para a Mesopotâmia. Os nabantinos ricos, pessoas nômades cujo nome vem de ‘nabat’, que significa ‘água que sai da terra’, tinham o monopólio das rotas de incenso. Eles dominavam as técnicas de encontrar, armazenar e esconder água no deserto.
— Que deus eles veneravam? — interrompe Pablo. — Há um templo ou uma estátua lá para um Zeus local?
— O deus supremo era Dushara, o deus da montanha — responde John. — Os nabantinos não humanizavam seus deuses, mas erguiam pedras retangulares em áreas consideradas sagradas. Eles as chamavam de ‘baetyls’, que significa ‘pedras sagradas.’ Nas cerimônias deles, treze sacerdotes salpicavam sangue de um animal sacrificado nas pedras sagradas. Isto explicaria ‘o sangue no templo de pedra de Zeus’.
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— E o principal local de adoração era Petra, na Jordânia — complementa Leyla, tremendo de excitação. — Petra, Patrimônio Mundial da UNESCO, ‘a Rocha’ de arenito dourado e roseado, onde os nabantinos guardavam suas riquezas. Uma cidade inacessível, escondida entre os labirintos de granito. Isolada das vias naturais, rodeada por torres formadas por saliências na rocha, erguidas acima das paredes manumentais, seus becos e vãos a tornam inconquistável...
— Vou mandar os mapas de Petra — diz John. Se a cerimônia religiosa de Dushara aconteceu no topo da montanha, a procissão de sacerdotes e adoradores trariam o baetyl e as incontáveis oferendas para o templo localizado na cidade mais abaixo, onde coloquei uma seta. Se as nossas conclusões estiverem corretas, há uma boa chance de que o fragmento do selo ainda esteja lá. Professor Temudjin, diga aos membros da UNESCO para não deixarem ninguém entrar no templo!
Neste exato momento, o professor, que geralmente é tão inabalável, começa a mostrar sinais de aflição. Ele
Capítulo 1
levanta uma mão, sinalizando para que os membros da Rede façam silêncio, seus olhos concentrados em outro lugar. Depois do que parece uma eternidade, ele faz um anúncio.
— Acabou de passar uma terrível notícia. Uma série de explosões desconhecidas acaba de destruir boa parte das ruínas de Petra. Sinto muito...
Neste exato momento, uma conversa está acontecendo nos ares.
— Bom trabalho. A quantia combinada foi transferida para a conta especificada.
Os olhos azuis do homem brilham de satisfação, e ele termina a ligação em seu telefone por satélite. Um sorriso diabólico surge nos lábios de John Fitzgerald Hannibal, enquanto seu jato privado voa sobre a Jordânia. Com a ponta do dedo indicador, ele acaricia um pedaço triangular de bronze, o conteúdo único de uma maleta reforçada, capaz de aguentar o impacto de um míssil de última geração. O valor do Patrimônio Mundial da UNESCO tinha pouca importância para ele. Sua destruição permitiu que os arqueólogos corruptos da Fundação
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“História Humana de Hannibal” recuperassem o último fragmento da estrela de Alexandre, o Grande. Agora nada nem ninguém poderá impedi-lo de dar continuidade ao seu plano...
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Capítulo 2
Baviera, Alemanha
Enquanto seu jato finalmente começa a descer, Hannibal olha pela janela para as torres de seu castelo, Schattental, “o vale das sombras.” É uma construção com uma rica história e que antes pertencera a um descendente da família de Luis II da Baviera, antes de ser comprada por uma quantia considerável pela Hannibal Corp e transformada em um laboratório. O jato adentra o vale escondido entre as montanhas e vai em direção a um castelo da época romana, mas que apresenta uma arquitetura um tanto eclética. Originalmente construído no estilo romântico, o castelo foi renovado e agora exibe várias adições neogóticas e bizantinas. O castelo fica localizado no coração de uma floresta de pinheiros altos e é rodeado por um jardim enorme com várias fontes d’água. No lado direto do castelo, existe uma estrutura feita de madeira e pedra que lembra um grande celeiro, mas com um teto muito mais alto do que daqueles normalmente encontrados nas montanhas. A grama verde rodeando essa estrutura não tem sido cortada, está esburacada e irregular e mostra pedaços sem vegetação, sugerindo a
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presença de animais por perto, o que é confirmado pela presença de cercas elétricas. Apesar da escassez de vida neste momento, esta área foi nitidamente reformada para acomodar animais. Nos fundos do castelo, há uma estrutura escura de pedra, trancada, que lembra um celeiro e parece ter sido recentemente esvaziada.
Um pouco além do castelo, uma pista de pouso que colide bruscamente com a paisagem foi construída para facilitar o acesso dos empregados da Hannibal Corp e do próprio Hannibal. Enquanto os companheiros apressam-se para cumprimentá-lo, Hannibal espera pacientemente no topo da escada de seu jato, apreciando o ar úmido e fresco e o cheiro de seiva, musgo e grama que é tão característico da região da Baviera. Ele rapidamente volta à realidade, entretanto, quando uma vibração em seu pulso o alerta de uma mensagem recebida. Ele olha para o visor do relógio, que mostra uma foto de Nadja com seus tios no aeroporto de Vladivostok, na Rússia.
— Bom trabalho, Filipe — ele responde.
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Hannibal, então, segue para a entrada do castelo, onde um tipo de ponte levadiça automatizada oferece acesso a um enorme saguão de estilo gótico. Gárgulas ameaçadoras observam de cima os visitantes entrarem, e os passos deles ecoam no pé-direito alto. Os pés sujos de lama de Hannibal sujam o tapete bizantino que cobre todo o chão, um achado que ele trouxe de uma de suas expedições à antiga Constantinopla, enquanto refazia o caminho de Alexandre, o Grande. Cadeiras vazias esperam visitantes que não existem, lustres de cristais pendurados pelo caminho demarcado por um semicírculo formado por pilares, iluminando um cômodo que não é mais clareado pela luz natural que entravam pelas velhas janelas de vidro, uma vez que foram trocadas por painéis opacos e blindados.
Hannibal então desce a escada em forma de espiral, vagamente iluminada por lâmpadas presas na parede, e entra em uma câmera de segurança que requer três chaves para ser aberta. Hannibal primeiro aperta o dedo indicador contra um leitor de digitais, depois insere um código em uma interface digital e anuncia com voz clara:
Capítulo 2
— John Fitzgerald Hannibal.
A porta destranca lentamente, abrindo e revelando um corredor circular que envolve a escadaria central. Hannibal anda apressadamente pelo corredor, acompanhado por um de seus gorilas de terno preto, passando por uma sala cheia de monitores, os quais três empregados monitoram cuidadosamente as ações de cada pessoa e cômodo dentro do castelo, assim como as redondezas, graças às doze câmeras escondidas em todos os lugares. O grupo de homens continua pelo corredor circular, chegando a uma segunda sala completamente de vidro, que parece ser um laboratório. Há mesas e equipamentos cirúrgicos de grande porte por todos os lados, pessoas de branco usando máscaras, tubos de ensaio, microscópios, computadores e painéis com diagramas de genoma e equações com setas ligando umas às outras. Sem olhar para a atividade no laboratório, Hannibal caminha até o final do corredor e vira-se. O segurança para e dá as costas para Hannibal, dando-lhe privacidade.
À esquerda dele, a escadaria continua até um andar inferior. Na frente dele,
Capítulo 2
há uma porta parecida com a de um cofre, cheia de cilindros metálicos e pinos mecânicos, assim como uma fechadura que lembra um volante de navio. Hannibal aproxima-se, evitando cuidadosamente uma das pedras do piso no meio do corredor. De dentro de sua camisa, ele tira uma chave no formato de uma cruz de oito pontas presa a uma corrente de platina, e coloca-a no buraco de fechadura. Depois, com seu segurança aguardando pacientemente atrás dele, Hannibal segura o mecanismo do cofre e executa a sequência de abertura, virando o volante em uma série de movimentos para a direita e para a esquerda. O som dos cliques ecoa pelo corredor, deixando evidente a pressa de Hannibal.
Lentamente, com um barulho fino e alto, a porta destranca e abre, revelando uma pequena sala circular com elementos metálicos. No meio da sala, há uma máquina cilíndrica em cima de uma mesa de pedra vulcânica. As beiradas são iluminadas por uma suave luz dourada, e no centro há uma cavidade no formato de uma estrela de cinco pontas. A máquina é rodeada por vários suportes eletrônicos, cobertos com cúpulas de vidro que contêm unidades de visualização do tamanho de mãos humanas.
Capítulo 2
Hannibal caminha em torno da máquina central, em direção ao suporte no fundo da sala, e puxa uma pequena alavanca que revela um teclado numérico.
Os dedos apressados digitam um código, que logo destranca o interior da cúpula. Dentro, há um pequeno buraco triangular, onde ele enfia o quinto e último fragmento da estrela que ele acabara de retirar da caixa. Então, fala com o segurança, sua voz tremendo de exaltação:
— Christian, traga-me um champagne.
Ele dá um passo para trás e suas mãos agarram a caixa vazia, enquanto a cúpula fecha lentamente. Ouvindo a fechadura trancar, ele suspira de satisfação.
— Enfim, está tudo pronto.
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Capítulo 3
Alguém bate na porta do escritório onde Hannibal está, mais uma vez, lendo a tabuleta de cobre roubada do tesouro doiImperador Justiniano. Devia ele confiar nas divagações de uma mulher velha e louca e levar estes avisos tão a sério? Não, é claro que não, ele diz para si mesmo quando o bater na porta fica mais intenso. Hannibal decide responder e coloca nervosamente a tábua na pilha de diagramas e mapas que cobrem sua mesa.
— O que que é? O que foi agora?
— Senhor, são sete horas.
Hannibal quase perdera a noção do tempo. Ele levanta-se da cadeira de couro e rapidamente arruma a pilha de papéis na mesa oval de carvalho que fica no meio da sala. Ele desliga a pequena luminária de chão no canto da parede, alinhada com as prateleiras com livros, e segue em direção à voz. Ele fecha a porta reforçada de metal cuidadosamente. Apressado, desce as escadas da torre atrás de seu comparsa, sem prestar atenção nas fendas e pedras irregulares que formam as paredes da torre nem nas marcas de
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idade nos degraus, cujas bordas tornaram-se lisas após a passagem de tantos pés. Ele só tem uma coisa em mente: o desfecho de seu plano depois de tantos anos de trabalho, pesquisa, sacrifícios e violência.
Todavia, Hannibal tenta espairecer, pois sabe que quando muitos pensamentos enchem sua mente, quando fica preocupado e ansioso, o animal perceberá imediatamente e não o deixará se aproximar. A escadaria se abre em uma ampla área de recepção, coberta por um teto afresco inspirado na Capela Sistina. Ele preenche as paredes e entende-se pelos arcos até o chão de mármore branco. As arcas, mesas e cadeiras de uma outra era exalam orgulho, embora estejam sem uso há anos. Os passos de Hannibal ecoam no mármore, enquanto ele caminha em direção à escadaria central.
— Christian, vá ver se tudo está pronto lá fora.
Ao ouvir sua ordem, o comparsa apressa-se pela porta de trás, também só acessível por código, como todas as outras. Christian então entra na estrutura nos fundos, que aloja uma escola de equitação, coberta por areia e ligada a um
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corredor que leva a um estábulo no lado direito do castelo. Tudo está em ordem, nada foi desarrumado. Christian não encontra nenhuma ameaça, nem dentro nem fora do castelo.
Chegando no porão, Hannibal abre outra porta e entra em uma sala enorme, do tamanho do castelo, onde o chão é de terra e coberto de grama. Florestas montanhosas e paisagens ondulantes foram projetadas nas paredes, que têm fios elétricos correndo ao longo delas, e são mantidos magnetizados pelos técnicos de Hannibal. Eles repelem automaticamente qualquer corpo ou objeto que se aproxime deles. Um humano se sentiria enclausurado, apesar dos vários arbustos e flores espalhados pelo ambiente. A luz parece natural, porém mais pálida, como a de um dia nublado e cinza.
Hannibal pega um cabresto pendurado em um gancho no fim da escadaria e assobia, esperando atrair a atenção de seu alvo. O som dos cascos ecoa no teto de pedra, e Hannibal começa a enxergar a silhueta de um cavalo em meio as árvores. Um garanhão, quase adulto e completamente preto, exceto pela estrela branca na testa, corre adiante. Ele é um espécime encantador de força e
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elegância. Sua crina preta, flutuando ao galope, é macia e sem um pelo fora do lugar. Seus músculos flexionam-se embaixo do revestimento lustroso, e seus olhos brilhantes fixam-se no intruso com uma determinação incomparável.
— Bucephalus, venha aqui — sussurra Hannibal.
O animal aproxima-se lentamente, e Hannibal estende a mão e apresenta o cabresto para o cavalo, em um gesto de paz e boa vontade. Bucephalus para, desconfiado ao pressentir os pensamentos na mente de Hannibal e o seu nervosismo, ciente do estresse e da pressa do homem diante dele. Hannibal aproxima-se, mas, o cavalo recua a cada passo, batendo o casco no chão. Hannibal tenta evitar qualquer movimento brusco e concentra-se em parecer o mais calmo e bondoso possível, mas é em vão. Bucephalus continua a recuar, dando pequenas voltas e pisoteando o chão repetidamente com seus cascos. Com as orelhas voltadas para trás e o rabo batendo ao vento, a ansiedade finalmente toma conta dele, e a paciência de Hannibal também acaba. O garanhão agitado parece impossível de controlar, mas Hannibal tenta uma última vez. Ele se vira e finge ir embora, o
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que parece acalmar Bucephalus. O homem dá dois passos em direção à escada, colocando o cabresto embaixo dos braços e segurando a rédea com firmeza, depois gira rapidamente e agarra o pescoço do cavalo.
Hannibal depois tenta deslizar o focinho de Bucephalus pelo cabresto, mas o garanhão empina furiosamente, jogando-o no chão. Então, sai galopando e se esconde atrás das árvores, longe do homem e de suas táticas enganosas.
Hannibal, que está frustrado e se doendo de raiva, uma coisa tão rara para ele, joga furiosamente o cabresto no chão. Depois, vira-se e sai à procura do único homem capaz de domar o animal, Sergei Tkachev, que o ensinou a andar a cavalo quando criança, muito tempo atrás...
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Capítulo 4
Sergei, interrompido enquanto lia em seu quarto, no topo de uma das torres do castelo, obedece às ordens de Hannibal imediatamente. Ele sabe que não tem escolha, que quanto mais cedo cumprir a missão para o “herdeiro”, mais cedo poderá voltar para casa e reunir-se com sua filha e família. Ele range os dentes, pensando na promessa que fizera para o pai de Hannibal antes de ele morrer, lembrando do dia em Moscou, quando o herdeiro veio contar-lhe sobre o falecimento de seu pai, e, por fim, aquele telefonema breve e arrogante, pressionando-o a voltar ao país basco, local daquele terrível acidente. Sergei sempre foi um homem calado; um homem de palavra. Mas a promessa que fizera ao pai de Hannibal, de sempre proteger e servir o filho dele, está custando caro demais. Ele tenta se consolar pensando que, pelo menos, sua filha Nadja está segura com os tios dela.
Sergei desce para encontrar Hannibal, no mesmo local onde ele experimentara uma derrota amarga, poucos minutos atrás. Sem demonstrar surpresa, Sergei olha ao redor do jardim artificial e reconhece a silhueta do garanhão preto, escondido em um matagal. Sergei
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pede que Hannibal caminhe para trás, até que ele esteja contra a parede da escadaria. Depois, pega o cabresto e caminha em direção ao som da respiração ofegante que se esconde atrás da proteção ilusória das árvores. Ele anda devagar, levando o tempo que precisar, inspirando e expirando profundamente para regular a respiração.
Ele enxerga o garanhão preto entre duas árvores, os quatro cascos plantados no chão firmemente, alerta e cauteloso. É a primeira vez que Hannibal o deixa ver o animal. Até agora, ele tinha conseguido controlá-lo sozinho. Ele teve dificuldade para domesticar o potro, fez com que se acostumasse com a sua presença, e o garanhão agora estava deixando ser levado ao gramado ou à arena para desenvolver seus músculos, sob a retenção da rédea. Mas, hoje, Bucephalus parece muito preocupado com o estado mental de Hannibal para deixá-lo se aproximar.
A cada passo, a imagem da criatura magnífica fica mais nítida, iluminada pela luz fria do porão. O garanhão é o cavalo mais lindo que ele já viu, proporções perfeitas, com pelagem brilhante e crina sedosa, olhos brilhantes de
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inteligência e determinação. Um corcel poderoso, orgulhoso e bravo, digno dos grandes reis guerreiros de antigamente e que lembra aqueles tão admirados em estátuas. O garanhão demonstra perfeita simetria, sem nenhum defeito aparente, quase perfeito demais para ser verdade. Há algo estranho e quase irreal sobre este cavalo. Sergei é tomado por um sentimento de inquietação, o sentimento perturbador de que algo está errado, de que este cavalo não é daqui. O garanhão contrasta tanto com o ambiente, que parece ser um ator diante de uma tela verde. Mas o encantador de cavalos não tem escolha nem tempo a perder. Ele precisa obedecer ao Hannibal e trazer o cavalo até ele.
Sergei entende instintivamente o desejo do cavalo de fugir, ou de lutar se pudesse voar. Ele decide mostrar que não é uma ameaça e que não o empurrará para um canto. Sergei avança lentamente até o garanhão sem assustá-lo, depois para e chama suavemente. Bucephalus, curioso, começa a trotar em meio círculo, de cabeça baixa, permanecendo a uma distância segura de Sergei. Com uma orelha voltada para o encantador de cavalos, que agora está de lado para não encarar o cavalo, mas sem dar as costas
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para ele, o garanhão observa para ver o quão responsivo o homem é. Sergei sussurra e ajusta sua postura para condizer com suas palavras, pronunciadas em tons baixos e ásperos na língua russa. O garanhão levanta as duas orelhas, prestando atenção.
— Bucephalus, não vou machucar você. Veja, não vou invadir seu espaço. Eu te respeito, assim como gostaria que você me respeitasse. Você pode se aproximar, sem medo.
Pouco a pouco, ele sente que o cavalo começa a relaxar, a curiosidade excedendo a desconfiança. Bucephalus dá um passo à frente, depois outro e outro, até que finalmente chega até Sergei, que o espera pacientemente. Então bufa gentilmente, antes de apoiar a testa contra o ombro de Sergei. Sergei o acaricia, agradecendo a confiança. Depois pega o cabresto com uma mão e leva a outra até o pescoço de Bucephalus, tranquilizando-o e encorajando-o, antes de colocar o cabresto na cabeça do cavalo.
Sergei vira-se para Hannibal, segurando Bucephalus pela rédea, com esperança de que ele não machuque o cavalo. Ele sabe que a raiva e a
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loucura que o garanhão detectou nesse homem pode levá-lo a cometer atos terríveis contra outros, tanto homens quanto cavalos, como já mostrara no passado. Uma vez que estão um ao lado do outro, Hannibal ordena:
— Segure-o por mais um tempo, não quero que ele fuja de novo, depois siga-me.
Sergei acena positivamente e anda atrás de Hannibal, que seque em direção... à parede! Confuso, Sergei continua seguindo Hannibal, sem entender. Hannibal chega até a parede e pressiona uma das pedras irregulares. A pedra afunda alguns centímetros na parede, abrindo uma passagem secreta. A passagem revela um elevador, que poderia aguentar, pelo menos, vinte pessoas. Hannibal entra, acompanhado por Sergei, que ainda segura Bucephalus pela rédea. O elevador é preenchido por um cheiro doce de óleos aromáticos. As portas se fecham e Hannibal mexe em um pequeno painel de controle. O elevador parece mais com um elevador para equipamentos de alta tecnologia do que qualquer outra coisa. A fragrância parece acalmar Bucephalus, que tem se assustado a cada som feito pelo elevador, e até Sergei e Hannibal acalmam-se ao subir
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Há um breve som e as portas se abrem dentro do celeiro, que é um tipo de estábulo grande, e que Sergei fica surpreso ao ver. O chão foi coberto com serragem pura, as paredes de madeira foram enceradas e não há sinais de teias de aranha nem insetos. Hannibal abre a porta do estábulo, pega a rédea das mãos de Sergei sem pedir e arrasta o cavalo. Bucephalus percebe que agora está à mercê de Hannibal e começa a puxar a rédea, mas Sergei sussurra palavras de segurança, conseguindo acalmá-lo e fazê-lo seguir em frente.
O último raio de luz está desaparecendo no vale, deixando apenas a montanha a oeste ainda iluminada. Vários minutos se passam, os três esperando pacientemente em silêncio, sem olhar um para o outro. Quando o último raio desaparece, dando lugar à escuridão, Hannibal puxa Bucephalus em sua direção e caminha determinado para dentro do prado, agora escuro.
Sergei não entende. Por que há um prado artificial subterrâneo, quando o castelo tem terras vastas? Por que só deixou que Bucephalus saísse após o pôr do sol? Então,
Capítulo 4
inesperadamente, ele se toca. Ele achara que a iluminação no porão estava escura. Teve a sensação de estar no interior, mas um interior sem luz do sol! Hannibal estava fazendo de tudo para garantir que Bucephalus não fosse exposto à luz solar. Sergei recorda-se da história do primeiro encontro entre Alexandre, o Grande, e seu cavalo, e liga os pontos. Um calafrio corre por sua espinha. O garanhão se chama Bucephalus, assim como o cavalo mítico de Alexandre, e Hannibal está agindo como se fosse mesmo o cavalo da lenda. Hannibal está preocupado com Bucephalus se assustar com a própria sombra, por isso fez de tudo para que isso não acontecesse.
Sergei se pergunta como Hannibal chegou até aqui. O que era uma paixão de infância pelo Conquistador virou uma obsessão, uma loucura. Atordoado pela descoberta, ele teme o que este homem planeja fazer. Não há mais limite para sua paranoia e ambição. Assim que Hannibal desamarra o cabresto de Bucephalus, o garanhão galopa e corre, relinchando, pulando furiosamente ao chegar nas fronteiras eletrificadas do prado, e empinando para desafiar quem o impedia de sair daquela prisão. Depois Hannibal vira-se para Sergei, com um olhar assombrado no rosto e um sorriso perverso nos lábios.
Capítulo 4
— Você já entendeu. Você terá que trabalhar duro comigo, até conseguirmos resolver este pequeno... problema. Começaremos amanhã.
Então Hannibal quer ter controle sobre o garanhão, virar seu mestre... mas não pode fazer isso sozinho. Assim como Bucephalus, Sergei quer empinar de raiva e fugir desta prisão, mas ele sabe que não fará nada. Ele não pode arriscar nada, caso este homem decida descontar em Nadja ou em sua família.
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Capítulo 5
Escritório do Professor Temudjin, Universidade de Ulan Bator, Mongólia
Nadja esfrega os olhos agitadamente. Até durante o voo de Vladivostok para Ulan Bator, ela não conseguiu pegar no sono. Ela está obcecada com a ideia de encontrar seu pai, Sergei, o encantador de cavalos, que caiu nas garras de Hannibal. Ela não pode contar com ninguém, a não ser ela mesma. Mas como uma jovem russa, sozinha e sem dinheiro, vai descobrir onde no mundo Hannibal escondera seu pai e seu garanhão, Zaldia?
— Beba um pouco de chá, Nadja. E, por favor, tente comer algo — insiste Salonqa, entregando-lhe um prato de rosquinhas.
A menina reprime um soluço. Ela empurra a pilha de papeis, nos quais desenhou desajeitadamente, lembrando do terrível momento em que se encontrou prisioneira na sala de controle, no castelo de Hannibal, no país basco.
— Havia tantas telas, imagens e sons. Eu estava com tanto medo. Não consigo me lembrar de nada que vi ou ouvi naquelas telas. Sinto muito...
Capítulo 5
Professor Temudjin sorri para ela gentilmente e junta as folhas de papel, antes de entregá-las a um jovem que está sentado com um tablet em mãos.
— Esta informação é muito útil, Nadja. Nosso colega, Kushi, continuará fazendo modelos a partir de seus desenhos, e vamos conseguir criar uma versão digital deles. Usaremos as habilidades de Kushi e de todas as outras pessoas da Rede para seguir em frente. Sugiro que você descanse um pouco.
— Não posso! — lamenta Nadja, correndo as mãos por sua cabeleira ruiva. — Meu pai está em perigo. Quando Hannibal terminar, eles não serão mais úteis para ele do que um par de meias antigo. Ele vai se livrar deles!
— Você não tem como ajudá-los se estiver completamente exausta — diz Salonqa. — Venha deitar no sofá da sala ao lado. Se você pegar no sono, eu te acordo em vinte minutos.
Sentindo-se derrotada, Nadja levanta do assento para seguir Salonqa. De repente, uma voz animada sai dos alto-falantes acima das telas dos computadores.
Capítulo 5
— Esperem! Tenho uma ótima ideia!
Todos viram-se para Leyla, que está em videoconferência do Cairo, no Egito. Em outra tela, o rosto de John, de repente, parece muito mais atento. O namorado americano de Leyla conhece bem as “ótimas ideias” que a sua bola de energia e espontaneidade inventam. As ideias dela são bem geniais... às vezes!
— Eu posso dar a ela um Beijinho Doce!
Os outros membros da Rede, reunidos em volta da mesa do Professor Temudjin, virtual e pessoalmente, olham confusos. Em Massachusetts, Battushig pergunta:
— Leyla, você quer beijar a Nadja?
— Nãããooo! “Beijinho Doce” é o nome do salão de beleza da minha tia. Quando uma cliente está com medo de ser depilada, nós as hipnotizamos! A cliente relaxa e depois fala sobre a vida dela ou nos conta segredos nos mínimos detalhes. Minha tia diz que sou muito talentosa e...
Capítulo 5
— Não quero contar minha história para ninguém! — protesta Nadja.
— Posso guiar a sua memória fotográfica e auditiva, Nadja, e criar estes tipos de ‘retratos’ seletivos, que possibilitam seu subconsciente descrever o que você viu nas telas. Seu cérebro gravou várias informações quando você estava na sala de controle e as armazenou nas profundezas do seu subconsciente. Eu poderia trazê-las à superfície. Professor, você poderia direcionar as perguntas e, Kushi, você poderia atualizar os modelos que fez dos desenhos de Nadja com todos os detalhes novos?
Kushi olha interrogativamente para o Professor Temudjin, que acena concordando.
— Então, se Nadja concordar em deixar-me hipnotizá-la, eu só precisarei de um sofá!
Nadja olha extremamente frágil e perdida. Ela olha para o professor como se ele fosse a salvação, mas a confiança que ele passa faz com que ela baixe a guarda. Ela encolhe os ombros.
Capítulo 5
— Se esta é a melhor chance de encontrar meu pai, suponho que valha a pena correr o risco de revelar meus segredos mais vergonhosos!
Salonqa coloca um cobertor em cima de Nadja, que está deitada no sofá. No outro lado do mundo, Leyla concentra-se, olhos quase fechados, respirando devagar. Embora no dia a dia seja cheia de ideias e energia, ela também é capaz de concentrar-se intensamente.
— Estou pronta — sussurra Nadja.
Leyla começa o processo de hipnose, falando devagar e com uma voz profunda.
— Sua respiração está ficando mais pesada. Com a mente, sinta o ar passando pelo seu corpo, inflando sua barriga, sua caixa torácica, a parte superior do seu peito. Depois expire profundamente pelo nariz, expelindo o ar do seu peito até a barriga. Você está ficando mais pesada, pode sentir toda a tensão do seu corpo desaparecer, dos dedos dos pés até os dedos das mãos. Agora sinta o rosto relaxar, depois a parte de trás da cabeça, seu pescoço e sua espinha. Todo o seu corpo está relaxado...
Capítulo 5
Leyla confere se Nadja está respirando devagar e regularmente, antes de prosseguir com a etapa de fazê-la relaxar mentalmente.
— Nadja, agora vou pedir que você se concentre em uma lembrança positiva, algo agradável. Nadar em um mar de água morna, cavalgar pela grama alta, o aplauso do público depois de uma apresentação de circo...
Um sorriso feliz aparece no rosto de Nadja. Ela parece uma menininha, confiante e radiante. Ela sussurra com uma voz de criança:
— Eu consegui, pai! Sou uma mocinha agora. Montei nas costas do tigre e pulei pela argola de fogo e nem tive medo!
Leyla, que se emociona, sorri também, mas continua com sua voz profissional para encorajar Nadja a deixar para trás essa lembrança e direcionar os pensamentos dela para a sala de controle de Hannibal, no país basco.
— Agora você está na sala cheia de monitores. Você não está com medo, sabe que sairá
Capítulo 5
desta sala. Os monitores ligam, um após o outro. Escolha os que mostram a floresta, onde o garanhão preto está... estruturas ou, talvez, um castelo.
Depois de alguns instantes, Nadja fala com sua voz normal:
— Pinheiros altos, muitos. Um vale profundo, no meio das montanhas. Ao fundo, um castelo com quatro torres. Jardins extensos. Há pessoas falando, não consigo entender o quê.
No fone de ouvido de Leyla, Salonqa pergunta:
— Ela pode repetir o que as pessoas estão falando? Talvez eu consiga descobrir qual língua é.
Leyla concorda e pergunta a Nadja. A garota franze as sobrancelhas, concentrada, e, com grande dificuldade, pronuncia alguns sons.
— Só pode ser alemão! — exclama Salonqa. — Faça-a descrever o castelo um pouco mais, se puder.
Pouco a pouco, uma imagem começa a tomar forma na tela de Kushi, observada
Capítulo 5
de perto por todos os membros da Rede. A voz de Nadja está ficando cada vez mais fraca, o cansaço tomando conta dela, então Leyla pergunta para o Professor Temudjin se eles já têm informação suficiente e se ela deve acordar Nadja de seu estado hipnótico. De repente, John grita:
— Acho que sei que lugar é esse! Um dos meus tios vive no sul da Alemanha e, quando eu era criança, costumávamos andar de esqui e caminhar nas montanhas da Baviera. Essa floresta, esse castelo escondido no vale, acho que já os vi antes!
Enquanto John se lança em suas memórias, Professor Temudjin acena para que Leyla “liberte” Nadja. Leyla liberta-a delicadamente de seu transe, e Nadja começa a sussurrar antes de, rapidamente, cair em um sono profundo, roncando baixinho.
— Estou com um pouco de sono...
John coloca um mapa da Europa nas telas e aproxima o zoom no castelo da Baviera, assim como a localização da casa de seu antigo tio, agora inabitada.
Capítulo 5
— Este será nosso acampamento. Fica a vinte minutos de caminhada do castelo. Podemos nos encontrar no aeroporto de Munique. Vou mandar as passagens de avião para vocês!
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Capítulo 6
Baviera, castelo de Hannibal
— Nãããooo! Owen, não!
Hannibal acorda do pesadelo recorrente, seu coração disparado e seu corpo pingando de suor. Ele se levanta da cadeira, batendo palmas para aumentar a intensidade das luzes de seu escritório, como se elas pudessem espantar o fantasma de Owen, que ressurgiu de sua infância para assombrá-lo.
— Quando você vai me deixar em paz? — ele grita, jogando longe tudo o que está ao alcance das mãos: documentos, peso de papel, livros, um jarro e um copo de água.
Mas os fantasmas do passado existem para nos torturar, lembrando-nos impiedosamente das nossas culpas. Nem mesmo o arrependimento pode apaziguá-los. Nada os impede de retornar, pois têm a eternidade a favor deles...
— Você não conseguiria, nem se tentasse! — zomba o menino moreno, com olhos estranhos, cada um de uma cor.
Capítulo 6
Owen vira-se para seu irmão mais velho, sorrindo, seus olhos grandes e azuis brilhando de provocação.
— Sergei disse que, logo, serei melhor que você! Vou te mostrar como eu sou bom!
Ele sopra uma mecha de cabelos loiros dos olhos e decide encarar seu medo. O irmão mais velho dele sempre o desafia para que se esforce e seja ainda melhor. Na escola de equitação, os obstáculos são mais altos e em maior número, e Owen tem medo de cair. Mas, como sempre, ele se recusa a desapontar o irmão mais velho. Então, pega as rédeas de seu pônei Connemara e chuta os flancos dele com ambos os calcanhares. O pônei sai a galope, indo direto para as primeiras barras.
— Iá! Iá! — grita Owen, encorajando o corcel.
Eles passam pelos primeiros obstáculos sem problemas. O pônei, treinado por Sergei Tkachev, instrutor de equitação empregado por seu pai, não gosta muito do “carinho” das esporas nas botas de seu cavaleiro, mas tem um
Capítulo 6
temperamento bom, sempre dá o seu melhor e é um saltador tranquilo. Ele confia totalmente no menino, gosta do jeito que ele monta. Mas, desta vez, o percurso da escola está um pouco mudado. Há mais obstáculos, e eles estão mais altos e mais largos. Ele começa a hesitar. A curva é muito estreita, ele escorrega ao tentar mudar de perna e recupera o equilíbrio de novo.
Seguindo pela diagonal, há uma série de três cercas, depois uma parede e, por fim, um oxer bem próximo. O Connemara aterrisa do outro lado da parede, recompõe-se e salta sobre o próximo obstáculo. Mas as pernas dianteiras tocam nas primeiras barras, que caem no chão uma em cima da outra. Owen agarra as rédeas, puxando-as como um louco para tentar ajudar o cavalo a recuperar-se, mas apenas o atrapalha. O pônei cai de cabeça e rola, dando uma cambalhota. Depois levanta-se com dificuldade com as pernas presas nas barras do obstáculo, que estão por todos os lados, como um jogo de pega-varetas. Ele não consegue mais sentir o peso do cavaleiro em suas costas. Preocupado e confuso, ele se vira ofegante, tentando entender por que o menino ainda não se levantou para subir em suas costas de novo. O menino
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está deitado no chão, entre as barras e as asas derrubadas, sua cabeça inclinada num ângulo estranho em comparação com o resto do corpo, mas, mesmo assim, seus olhos estão arregalados e ainda há um sorriso em seus lábios.
— Nãããooo! Owen, não!
O menino de cabelo moreno está agachado sobre o irmão mais novo, sacudindo-o como uma marionete cujas cordas foram cortadas, chorando incontrolavelmente. O Connemara chega mais perto, cutucando o corpo de Owen com o nariz e relinchando desesperadamente. Hannibal bate violentamente na cabeça do cavalo, gritando:
— Vá embora! Eu te odeio, é tudo culpa sua, seu animal idiota!
As lembranças ficam confusas, como se uma cortina escura, pesada e horrível tivesse caído sobre elas. O estrondo repetido de uma espingarda vindo dos estábulos. O pai deles dando um tapa em Hannibal, fazendo com que o nariz dele começasse a sangrar, para nunca lhe dirigir a palavra novamente. A mãe deles que nunca superará o luto. Owen era o filho preferido dela. O outro,
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com seus olhos de cores diferentes, faz o sangue dela correr frio. O internato para meninos no norte da Inglaterra, que parecia um exílio punitivo e definitivo: o silêncio, o esquecimento, a solidão e os pesadelos...
E, então, um professor de história na universidade, que repreendeu um aluno por gozar dos olhos diferentes de Hannibal. Ele explicou os princípios fisiológicos da heterocromia, há muito tempo considerada uma característica distintiva de feiticeiros que possuíam a “segunda visão”, que os permitia enxergar muito além do que os meros mortais. Depois, ele falou de Alexandre, o Grande, que diziam ter olhos de cores diferentes. Ao explicar que um dos maiores conquistadores do mundo fora capaz de superar o medo supersticioso dos outros e de si mesmo a fim de transcender esta anomalia física, e que, ao ser diferente dos outros, ele ganhara o respeito de todos, o professor reacendera uma luz na escuridão que engolira Hannibal.
Este foi o momento em que ele começou a se identificar com esse estrategista e conquistador, o momento em que teve início sua obsessão. Ele começou a pesquisar a história de
Capítulo 6
Alexandre, o Grande, tentando reunir o máximo de informações possíveis, a fim de entender o homem. Quanto mais ele aprendia, mais queria aprender. A fascínio de Hannibal não tinha limites. Após terminar seus estudos em línguas e história mundial das antigas civilizações, onde se especializou na história grega do período clássico e helenístico (antes e depois das conquistas de Alexandre), ele criou a Fundação Hannibal de História Humana e começou a vasculhar os quatro cantos do mundo para encontrar e colecionar tudo a respeito do grande conquistador.
Hannibal respira fundo, afrouxa os punhos, brancos de tensão, e mexe embaixo de seus cílios para ajustar a lente de contato azul que esconde seu olho castanho. Ele vai para a banheira de hidromassagem, procurando esquecer as cenas estampadas em sua mente, imagens que o assombram por tantos anos e que são sempre as mesmas. Estas imagens o tornaram uma pessoa insone, e agora ele só tira pequenos cochilos durante o dia. É impossível para ele ceder ao, supostamente, reconfortante abraço do sono. Ele não pode se permitir nenhuma fraqueza, nenhuma imperfeição. Nunca.
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Capítulo 7
Sem nem precisar da orientação de uma rédea, Zaldia, o garanhão andaluz, circula graciosamente com todos os modos de andar em volta de Sergei, o encantador de cavalos, o homem que o salvou da fazenda onde fora tão cruelmente maltratado. Sergei o adotou, cuidou de seus ferimentos, amenizou seu temperamento difícil e ensinou-lhe respeito e confiança. Sua crina longa balança ao ritmo do trote, seus músculos flexionam e fazem a pelagem brilhar como prata na luz do amanhecer. Suas orelhas voltadas para frente, alertas às variações na voz do homem, que agora pede para diminuir a velocidade e vir em direção a ele. Ele obedece imediatamente, empurrando o nariz na mão estendida de Sergei, bafejando, feliz em ser elogiado e acariciado.
Então, o homem sussurra algumas palavras que ele não consegue traduzir, mas Zaldia entende que vai tentar algo novo e que deve confiar em seu companheiro humano.
— Você pode vir agora — diz Sergei alto.
Capítulo 7
Zaldia levanta a cabeça. Ele ouviu o barulho da grama molhada do orvalho e capta o cheiro de outro homem, reconhecendo com ressentimento. Ele coloca as orelhas para trás, sua respiração acelera, seus músculos ficam tensos. Se fosse um tigre, rosnaria para mostrar desagrado, rugiria ameaçadoramente. Mas Sergei sussurra mais algumas palavras, insistindo até que o garanhão finalmente cede e deixa o homem, cujo aroma amargo é misturado com o de medo, entrar em seu território, depois passar a mão no seu pescoço, acariciando-o. Hannibal não faz contato visual, já que seus olhos estão vendados. Sergei acaricia a testa do cavalo, tentando fazê-lo relaxar, para ficar parado, baixar a guarda. Ele está hesitante, mas deixa o homem acariciá-lo das costas até o traseiro, depois chegando mais perto dele. Sergei encoraja os dois, movendo-se para o lado do homem e ajudando-o a subir nas costas de Zaldia. O garanhão concorda em não se mover, para o bem de Sergei. Ele vai se acostumando com o peso nas costas, as pernas esfregando contra o flanco dele, e aceita que seu pescoço seja acariciado sem reclamar. Quando Sergei se afasta, dando alguns passos para longe antes de parar, ele olha questionando: deveria ele permitir a si mesmo ser guiado pelo homem em suas costas?
Capítulo 7
— Vá — diz Sergei calmamente.
Zaldia sente uma pequena pressão em seu flanco e um movimento em suas costas impulsionando-o a seguir em frente, então ele dá alguns passos, tentando voltar para a segurança da presença de Sergei. Mas ele virou para o lado, como se não tivesse interesse pelo cavalo. Perplexo, Zaldia para, esperando uma dica ou qualquer indicação que mostre o que ele precisa fazer. Depois ele sente o outro homem auxiliando-o e reconhece o pedido para seguir em frente, o peso do homem inclinando para mostrar qual direção seguir e, sem oposição de Sergei, Zaldia decide responder aos comandos. Ele anda, todos os seus sentidos em alerta, faz uma meia-volta, depois anda em círculo calmamente, ainda atento, mas menos tenso. Cada vez que responde corretamente a um comando, ele recebe um carinho e começa a relaxar. Agora ele trota lentamente, andando em círculos de novo. Então ele aumenta o trote, mantendo um ritmo em harmonia com o balanço do corpo em suas costas. Ele percebe Sergei olhando em aprovação do outro lado do círculo, antes de voltar sua atenção para o outro homem, agora pedindo
Capítulo 7
que ele mude de passo. Em movimentos suaves, ele começa a galopar. Ele sente o homem ficar tenso em suas costas e fica receoso. Ele acelera, mas a tensão logo desaparece, e o peso do homem volta-se para trás ao tentar movimentar-se com o cavalo, em vez de apressá-lo. O cavalo diminui a velocidade para um meio-galope. Ele escuta e responde aos comandos, diminui, muda de passo, galopa mais rápido, virando várias vezes antes de, finalmente, diminuir a velocidade e parar quando dado o comando para fazê-lo.
— Bom, ele está começando a confiar em você. Não fique tenso, senão ele sentirá. Na maioria das vezes, o cavalo não é o culpado por um acidente. É o cavaleiro que fica tenso e provoca um erro com seu companheiro de montaria.
Então Sergei posiciona duas asas no centro da escola e coloca uma barra no chão, entre elas.
Zaldia entende que eles terão que superar este obstáculo juntos e, depois de ser encorajado pelo cavaleiro, sai em direção à grade. O homem está em suas costas, as mãos descansando em sua cernelha, as pernas apertando seu flanco
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como se tivesse medo de cair. Mas tudo corre bem, e Sergei os pede para trotar e, depois, galopar. Eles retornam caminhando. Sergei, então, aumenta a barra em quarenta centímetros, transformando-a em um verdadeiro obstáculo de salto, um desafio fácil para um garanhão forte.
O cavalo pode ouvir a respiração áspera do cavaleiro e fica tenso, bufando.
— Vamos, você consegue. Relaxe, confie no seu cavalo cegamente, sejam só um, como um centauro... Você só precisa relaxar — sussurra o encantador de cavalos, ao lado do garanhão. É o teste final.
Zaldia entende que o obstáculo não é para ele, mas sim para o homem em suas costas. Iniciando uma nova volta, ele começa a trotar, depois a galopar, e se vira para alinhar-se com o obstáculo. Eles se aproximam da barra, os passos largos do cavalo garantindo a aceleração perfeita, mas, quando seus cascos saem do chão, ele sente seu cavaleiro entrar em pânico e agarrar sua crina, abraçando seu pescoço para não cair, os pés em volta de seu tronco com toda a força. Quando eles aterrissam, o homem é
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incapaz de soltar a crina e relaxar as pernas. Mas Sergei encoraja a dupla mais uma vez.
— Vamos. Confie nele. Ele não vai te decepcionar. Ele é capaz, e você também. Se não consegue se movimentar sem passar medo para ele, você nunca conseguirá comandá-lo.
Ele sente que o cavaleiro começa a relaxar. Os minutos passam e, quando o garanhão sente os calcanhares do cavaleiro pressionarem levemente para indicar que ele está pronto para tentar o desafio novamente, Zaldia sai a galope. Ele vai em direção ao obstáculo, mas, desta vez, ele sente que algo está diferente. Seu cavaleiro está se movimentando suavemente com ele, olhando a barra à distância. Embora ele possa sentir as pernas do cavaleiro, elas não estão apertando seu corpo. O homem largou sua crina. Quando Zaldia transfere seu peso para saltar, o cavaleiro está se movimentando com ele, como um só corpo, braços abertos como uma águia planando no céu. Ele se move junto, voando sobre a barra, prendendo a respiração. Depois de o que pareceram minutos em vez de segundos, os cascos de Zaldia finalmente tocam o chão. Após aterrissar suavemente, o cavaleiro não se abaixa. Ele continua a andar com seu corcel.
Capítulo 7
Zaldia diminui a velocidade, parando a alguns metros de distância. De repente, o homem em suas costas se abaixa, abraçando seu pescoço, recompensando-o. Ele sente seu calor. O humano não cheira mais a medo. Ele relaxa e, pacientemente, espera pelo próximo comando.
Sergei começa a bater palmas, tirando o cavalo e seu cavaleiro de um momento que parecia não ter fim. Então o cavaleiro desmonta do cavalo e remove a venda que cobria os olhos, antes de deixar a escola com uma risada triunfante.
— Eu consegui, graças a você, Sergei!
— Você está pronto. Não precisa mais de mim. Então eu e Zaldia podemos ir embora, assim como você prometeu.
— O jato está pronto para levar Zaldia de volta para a Rússia. Mas você, Sergei, terá que esperar um pouco mais. Quero que você esteja presente quando eu montar no Bucephalus!
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Capítulo 8
Baviera, casa do falecido tio de John
No aeroporto de Munique, os cinco jovens logo reconhecem um ao outro das videoconferências. Eles se olham, surpresos com as diferenças físicas entre o que viram nas telas, o que imaginavam e o que veem na vida real. Eles veem indivíduos que são maiores ou menores do que o esperado, confiantes ou tímidos. A loção pós barba ou perfume revelam uma peculiaridade inesperada da personalidade, alguém tem um acessório ou peça de roupa incomum. Mas eles mantêm os comentários para si mesmos porque, apesar dos voos longos e da diferença no fuso, estão todos concentrados no mesmo objetivo: evitar que Hannibal torne-se onipotente.
O miniônibus que os buscou no aeroporto deixam-nos a quatrocentos metros de distância da entrada da casa do falecido tio de John. Eles têm que andar o resto do percurso arrastando todas as malas por um caminho com mato alto. Ao passarem por um riacho de água cristalina, descobrem uma clareira com uma estrutura de pedras beges, rosa e ocre. O telhado de ardósia resiste bravamente à
Capítulo 8
pressão dos galhos das árvores, que estão à vontade no local. Há grama crescendo entre as tábuas do chão do pátio, alternadas com as mesmas pedras da parede da casa. Para todos os lados que olhem, eles veem que a natureza vem tentando se reafirmar, mas as paredes da casa têm aguentando firme.
— Apresento-lhes nosso acampamento — diz John, abrindo a porta pesada.
A casa tem cheiro de mofo. Eles abrem as janelas e venezianas para arejar os cômodos. Todos os móveis foram cobertos com lençóis brancos, dando a impressão de que o tempo no local parou. Um quarto está cheio de equipamentos de esqui e caminhada para todas as idades. John sorri ao encontrar seus esquis de quando era criança. Battushig instala, liga e conecta o equipamento em cima da mesa da sala de jantar, que é grande o suficiente para sentarem vinte pessoas. Os jovens todos se juntam ao redor da mesa.
— Certo — diz Battushig. — Agora temos que encontrar uma forma de entrar no castelo e recuperar a estrela, assim como descobrir exatamente qual é o plano de Hannibal, para podermos detê-lo.
Capítulo 8
— E eu gostaria de ver aquele garanhão preto lindo — interrompe Pablo.
— Certo — diz Salonqa. — Mas, antes, precisamos achar uma forma de entrar.
— Hannibal nunca deixaria tal lugar sem vigilância ou seguranças. Há câmeras por todos os lados, do contrário, eu nunca teria encontrado este lugar. Sem mencionar todas as armadilhas e os códigos das portas... — diz Nadja.
— Então como faremos? É um verdadeiro forte... — diz Leyla ansiosa.
— Vou tentar invadir a rede do castelo — responde Battushig. — Assim que eu conseguir desarmar os protocolos de segurança que, certamente, estão protegendo a estrela, poderemos entrar no castelo e pegá-la. Acho que consigo alguns minutos ao invadir o sistema, mas, depois, suponho que o sistema de segurança de Hannibal será reativado, e não sei quanto tempo mais teremos.
Capítulo 8
— Só preciso de tempo o suficiente para chegar à sala de controle e invadir o sistema — diz John. — Controlarei as câmeras de segurança e guiarei vocês até a saída.
— Vocês estão loucos! — grita Leyla, irritada. — Vocês só estão pensando nas tecnologias. O que farão com os seguranças armados dentro e fora do castelo? Se não houver mais câmeras para nos mostrar onde eles estão e nos permitir evitá-los, eles vão acabar com a gente!
— E se eu infiltrar nossas próprias câmeras? — pergunta Pablo. — Eu trouxe meus drones comigo. Pensei que talvez precisássemos deles... parece que eu estava certo! — ele completa, com um sorriso.
— Então, para resumir — diz Leyla, impaciente —, Pablo acionará os drones, Battushig invadirá o sistema de segurança do castelo e nós entraremos e desviaremos dos guardas. John irá para a sala de controle e os outros seguirão para a sala onde está a estrela. Então Battushig nos ajudará a desarmar o sistema proteção, pegaremos a
Capítulo 8
estrela, e John nos guiará para fora do castelo. Já pensaram em como vamos acabar com Hannibal no meio de tudo isto?
— E o meu pai? — interrompe Nadja. — Não podemos deixá-los nas mãos de Hannibal!
Pablo cerra o punho. A crueldade de Hannibal não tem limite. Ele está mais determinado do que nunca para destruir este monstro. Já Nadja tenta segurar as lágrimas ao pensar no pai. Ela está tentando não perder a esperança, mas tem medo de chegar muito tarde e descobrir algo terrível.
— Quero ir — ela diz friamente. — Quero estar lá, libertar meu pai e olhar Hannibal nos olhos quando finalmente for derrotado. Acho que posso usar as habilidades acrobáticas que aprendi no circo para escalar uma das torres e entrar por uma janela. Encontrarei meu pai. Ele deve ter alguma informação importante.
— Vou com você — diz John. — Conheço esta floresta, posso encontrar um caminho pelas árvores. Acho que levará apenas vinte minutos.
Capítulo 8
— Eu também — acrescenta Leyla.
— Muito bem — diz Salonqa. — Enquanto Battushig invade os sistemas de segurança, ficarei aqui para guiá-los.
— E, assim que os drones chegarem, junto-me a vocês e saio à procura do garanhão preto — acrescenta Pablo.
Uma voz interrompe de um dos computadores.
— E nós? O que podemos fazer para ajudar?
Os membros da Rede, que estão impacientes, deixam claro que querem ajudar na invasão.
— Eu lhes darei um código para usar no computador de vocês. Ele abrirá uma caixa de diálogo, a rede interna do castelo, e vocês poderão enviar mensagens nesta caixa. Se tiverem gente o bastante, vocês poderão me ajudar a travar o sistema — responde Battushig.
Capítulo 8
E se encontrarem alguma coisa, repassarei as informações! — acrescenta Salonqa.
John pega a mala e retira o equipamento, que é digno de uma equipe da SWAT: câmeras em miniatura para capacetes, fones de ouvido, lanternas, abridores de fechaduras, ganchos e cortadores de vidro. Percebendo as expressões de surpresa nos rostos dos demais, ele diz com um sorriso:
— Eu era fã de filmes de espionagem quando criança. Estes acessórios podem ser úteis!
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Capítulo 9
— Já enviei os drones — diz Pablo.
Seus dedos estão dançando sobre os controles complexos, que parecem pertencer à cabine de uma aeronave. Salonqa e Battushig esperam com um misto de impaciência e ansiedade, olhando para o monitor de controle dos drones e para o monitor de Battushig, cheio de códigos. Através das câmeras dos drones, eles podem ver as paisagens passando em alta velocidade, os topos dos pinheiros, vales exuberantes e vastas extensões de pastos e montanhas.
— Onde você está? Salonqa pergunta a John.
— Estamos quase chegando. Posso ver a clareira a uns cinquenta metros. Vamos esperar o seu sinal escondidos entre as árvores.
Os drones desviam de uma montanha e o castelo Schattental aparece, como se fosse uma construção tirada de um conto de fadas. Só que parece mais o castelo do Barba Azul do que do Príncipe Encantado... Na beira da floresta, Leyla, John e Nadja observam o progresso dos drones em uma das telas em miniatura de John. Encantada, Leyla grita:
Capítulo 9
— Uau, é lindo! Muito mais bonito de cima.
Ela imediatamente para de falar, seus companheiros fuzilando-a com os olhos, após ela ter quebrado a concentração intensa deles.
— Estamos quase chegando. Vou examinar — diz Pablo.
— Reconheço essas fontes! — exclama Nadja. — E aquela é a estrutura escura ao lado, e os portões! A sala com a estrela fica no subterrâneo, mas não sei exatamente onde.
— Vamos olhar mais de perto! — diz Pablo.
Ele empurra bruscamente o direcional para frente, e o público se vê no cume de uma queda livre de ponta cabeça, rumo ao chão.
— Vou vomitar... — reclama Salonqa.
— Estamos quase lá, Salonqa — responde Battushig, mexendo furiosamente no teclado. — Só mais alguns metros! Amigos da Rede, acabei de mandar o código. Preparem seus teclados!
Capítulo 9
Durante todo esse tempo, Hannibal, que está enfiado de novo em seu escritório, tem estudado os planos espalhados pela sua mesa de madeira. A estrela de cinco pontas dividida em cinco pedaços triangulares, cada um com base irregular, foi desenhada em um pedaço de papel enorme e sobreposta por setas, equações, legendas e anotações. Então, Hannibal pega uma segunda folha de papel, mostrando outra estrela com as mesmas dimensões, porém inteira, como se o quebra-cabeça tivesse sido montado. As anotações mostram como deve ser feito.
Um som agudo quebra o silêncio: o alarme foi ativado, alertando Hannibal, que pula da cadeira e sai da sala correndo. Seus comparsas, espalhados dentro e fora do castelo, correm para a escadaria central para encontrar seu líder e receber ordens. Com a mente acelerada, Hannibal chega no primeiro andar e grita:
— Christian, tranque Sergei no quarto dele. Não deixe que ele use isso como chance de fugir!
Capítulo 9
Sabendo que não pode arriscar que os intrusos encontrem Sergei e descubram o que está acontecendo no porão, Hannibal corre para a sala de controle, onde um de seus comparsas informa:
— A rede interna está sob ataque, senhor. Drones entraram no perímetro de segurança.
— Destrua-os, seu idiota! — responde Hannibal, gritando acima do barulho das sirenes, seus olhos enrugados de raiva e sua boca trabalhando furiosamente.
O técnico na frente dele começa a digitar comandos no painel de controle em alta velocidade, e as sirenes param.
— Ali! — grita o técnico, apontando para um dos monitores.
Hannibal olha para a tela que mostra imagens de uma das câmeras externas e observa os drones caírem como moscas. Seus lábios formam um sorriso de satisfação, mas ele não pode perder mais seu precioso tempo. O assaltante, ou assaltantes, pode atacar a qualquer minuto; ele só tem alguns minutos para preparar tudo no caso de uma invasão.
Capítulo 9
— Fique aqui e tranque todas as entradas! Vá buscar todos que ainda estão nos laboratórios e tranque todos na sala de controle.
Hannibal corre até o final do corredor, destranca a porta com o volante de navio e entra correndo na sala da estrela.
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Capítulo 10
Quando os drones estão quase nas torres do castelo, há um chiado e uma das câmeras sai do ar. Confuso, Pablo dessincroniza os drones e usa um deles para investigar a área onde perderam contato com o drone.
O grupo observa em pânico o primeiro drone ser incendiado, girando e indo em direção a uma das paredes do castelo, deixando um rastro de fumaça. Então, há um segundo ruído, depois um terceiro, e um quarto. Um a um, os monitores de todos os drones apagam. Os cinco drones queimam como mosquitos atingidos por uma raquete elétrica.
Em choque, nenhuma pessoa do grupo diz uma palavra. Dominados por um sentimento de frustração e medo, o fracasso de seu único plano parece não deixar mais esperança na missão deles. Em uma fúria repentina, Pablo levanta e joga o controle dos drones no chão, rugindo de raiva.
Leyla, Nadja e John, sentados no chão frio da margem da clareira onde fica o castelo Schattental, também ficam paralisados de espanto com o que acaba de acontecer. Se o sistema de
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segurança de Hannibal conseguiu reagir tão rapidamente, significa que ele deve estar ciente da tentativa de ataque e deve estar preparando um contra-ataque ou uma fuga, o que os impediria de detê-lo.
Nadja pega o cortador de vidros que John lhe deu e sai da floresta, gritando para seus amigos, que estão chocados demais para se mover:
— Vou escalar a torre! Tenho que encontrar meu pai, antes que seja tarde demais! Encontro com vocês depois!
Nadja corre em direção ao castelo, optando entrar pelo telhado da estrutura escura ao fundo do castelo. Quando finalmente chega no muro, ela dá uma última olhada para trás, para as árvores onde seus dois amigos estão esperando desamparados, dominados pelo medo e pela indecisão.
Ela pega o gancho de John, enrola a corda e segura com a mão esquerda. Ela arremessa a garra de metal para cima, esperando que aterrisse no telhado da pequena construção. Ela escuta um som metálico, seguido por um barulho de algo sendo raspado. Nadja range os dentes, esperando que
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o gancho fique preso em alguma coisa. O barulho finalmente para com um tranco. Nadja puxa a corda para verificar se está segura. Após alguns segundos de dúvida, ela decide arriscar. Ela agarra a corda firmemente com as mãos e balança da esquerda para a direita para assegurar-se de que está presa. Ela coloca um pé na parede, depois o outro e continua sua subida em direção ao telhado. Enquanto seus pés martelam as madeiras, ela se pergunta qual é a utilidade da estrutura, que parece nova. Quando se tem um castelo grande assim, por que alguém precisaria construir uma extensão? E por que usar madeira, dentre todos os materiais?
Quando ela chega no telhado, percebe algumas janelas pequenas e opacas nas paredes, como se fosse para permitir que apenas uma pequena quantidade de luz entrasse. Ainda segurando-se com apenas uma mão, ela pega o cortador no bolso e faz um buraco no vidro. Em seguida, remove o cortador e bate no círculo feito no vidro. Ele cai dentro da estrutura sem fazer barulho.
— Você está vendo o que eu estou vendo? — pergunta Nadja no microfone em seu ouvido.
Capítulo 10
— Uma arena! O cavalo deve estar em algum lugar por aqui. Parece que tinha alguém aqui: há marcas de cascos na areia e uma barra para salto no centro — responde Pablo. — Continue subindo, Nadja!
A jovem sobe no telhado, pega o gancho e olha para cima.
— Caramba, como é alto — ela pensa em voz alta.
— Você consegue — diz Salonqa em sua orelha, tentando acalmá-la. — Lembre-se do circo!
Com determinação renovada, Nadja lança o gancho em direção ao parapeito que se projeta dos muros. O gancho aterrissa perfeitamente entre os dois merlões. Após certificar-se de que está preso, ela continua a subir. Ao chegar na parte plana da muralha, tudo o que falta é escalar uma das torres. Ela escolhe a da esquerda e, enfiando e espremendo seus pés pequenos e suas mãos delicadas nas fendas, escala a parede circular como uma aranha.
Capítulo 10
Quando ela está quase chegando no topo, depois de ter visto apenas escadarias e cômodos abandonados na escuridão pelas fendas, começa a perder a esperança de encontrar o pai nesta torre. Ao chegar em uma janela que foi deixada aberta, provavelmente por engano ou por alguém com pressa, ela descobre uma sala grande contendo apenas uma mesa, uma poltrona de couro confortável, um abajur de chão e estantes de livros cobrindo as paredes.
— Deve ser o escritório de Hannibal. Entre. Deve haver alguma coisa interessante aí dentro! — apressa Salonqa, ansiosa para entender o que está acontecendo no castelo.
Nadja hesita por um instante. Ela gostaria de encontrar seu pai primeiro. Essa era a sua prioridade e a razão pela qual fora sozinha, deixando seus amigos para trás.
— Olhe, há algo brilhando na mesa! — exclama John.
A curiosidade e a solidariedade prevalecem, então Nadja entra no cômodo. Quando está com os dois pés de volta no
Capítulo 10
chão, ela olha ao redor do escritório e, no canto, percebe o topo de uma escadaria antiga que parece destruída e, provavelmente, não leva a lugar algum. O pai dela não está nesta torre. Ela anda em direção à mesa, e todos os jovens veem, ao mesmo tempo, a tábua de cobre misteriosa, gravada com letras gregas, em cima da mesa de Hannibal.
— Nadja, segure-a na sua frente, que eu vou traduzi-la — pede Salonqa, forçando os olhos para enxergar. Ela começa a ler sobre a profecia da Sibila alto, para o resto do grupo:
— ... Enquanto guardar essa estrela, nenhum homem poderá derrotá-lo. Enquanto permanecer humilde e honesto, sensato e sábio, ele será invencível. Mas se ele esmorecer, será consumido pela ira de Zeus.
— Você acha que está falando da estrela? Aquela que o Hannibal tem as cinco partes?
— Provavelmente — responde Battushig. — A Fundação de História Humana passou cinco anos colecionando centenas de itens relacionados a Alexandre, o Grande. Mas duvido que Hannibal
Capítulo 10
levaria os avisos da Sibila a sério. Ele merece ser derrubado por Zeus!
— Posso ir? — pergunta Nadja.
— Sim, tente a outra torre! — responde Salonqa.
Nadja passa apertada pela janela e deixa o escritório. Ela agarra a corda com o gancho e desce da torre. Então ela corre pela mureta em direção à segunda torre e começa a escalar o mais rápido que pode...
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Capítulo 11
Uma voz decidida soa na floresta, perto do Castelo Schattental.
— John, não podemos ficar sentados aqui sem fazer nada. Se não pudermos entrar no castelo pela porta da frente ou escalar as torres como Nadja, então temos que encontrar outra maneira. Sigam-me!
Sem dar tempo de protestar, Leyla corre pela floresta, seguindo Nadja.
John alcança Leyla embaixo da cobertura das árvores antes de se aproximarem cuidadosamente da arena. Ele vê uma porta de correr e a abre. Eles entram nas arquibancadas acima da arena deserta. Ficam lá por um momento, chocados com a escuridão e o silêncio da estrutura vasta, antes de Leyla puxar a manga de John e apontar na direção oposta à arquibancada. Há um painel de metal largo e extenso montado em uma das paredes de madeira. O casal pula da arquibancada para a areia e segue até o painel de metal. Eles procuram uma manivela ou algum mecanismo que o permitam movê-lo. Eles empurram-no e tentam arrastá-lo para o lado, mas o painel parece estar preso. Então eles escutam a voz de Salonqa em seus ouvidos.
Capítulo 11
— John, a madeira perto do seu ombro direito me parece mais clara. Veja se há um interruptor ou algo do tipo embaixo dela.
Quando ele coloca a mão na madeira mais clara, John sente a parede afundar e deslizar, revelando uma caixa de metal que parece uma trava de senha eletrônica. Tem dez botões com números e uma tecla “Enter”.
— Alguém sabe a combinação? — pergunta Leyla.
— Essa porta não faz parte da rede principal — diz Battushig, desculpando-se. — Não posso controlá-la. Tente algumas sequências simples de quatro dígitos. As mais comuns são: 1234, 0000, 1111, 5555, 2222 e por aí vai.
— Nada — diz John, após algumas tentativas frustradas.
— Certo, vamos tentar algumas sequências baseadas no teclado. 2580, 0852, depois a coluna da direita, depois a da esquerda.
— Nada ainda.
Capítulo 11
— Tente usar meu PIN: 5683 — sugere Leyla. — Escreve ‘AMOR’, como se estivesse mandando uma mensagem em código.
Diante dos fracassos iniciais, Battushig franze as sobrancelhas.
— Não sabemos nem se é, de fato, um código de quatro dígitos...
— Por que não tenta a data de nascimento de Hannibal? — interrompe Salonqa.
— Ele é um narcisista, há uma boa chance de o código ser algo relacionado a ele mesmo.
Infelizmente, esta combinação também não funciona. Então o Professor Temudjin oferece uma sugestão.
— Salonqa, você estava certa sobre o lado obsessivo de Hannibal. Tente este código: 2107356.
Perplexos, John e Leyla ouvem uma série de sons e o painel de metal desliza para o lado, revelando um tipo de elevador de alta tecnologia.
Capítulo 11
— Muito bem, Professor! — grita Salonqa. — Como você descobriu?
— É a data de nascimento de Alexandre, o Grande: 21 de julho, 356 AC. Leyla e John, por favor, tenham cuidado.
Uma vez que a porta do elevador se fecha, John e Leyla respiram o aroma relaxante de óleos de essência, enquanto o elevador desce lentamente até o subsolo.
— Dedos cruzados para que não acabemos em um fosso cheio de cobras... — sussurra Leyla.
Mas, quando o barulho da porta abrindo de novo anuncia que eles chegaram, não são cobras que os recepcionam, mas um canto sereno de passarinho e uma paisagem de interior magnífica. Uma luz sombria predomina neste jardim inesperado, cortada pelos contornos de uma vegetação exuberante. Hesitantes, eles dão alguns passos no chão macio e musgoso, atentos para qualquer sinal de presença humana.
— Uau, você é tão lindo! — exclama Leyla, repentinamente.
Capítulo 11
— Hã... acho que não é uma boa hora para isso... — sussurra John, envergonhado.
— Não estou falando de você! Olhe para ele. Ele é magnífico!
Um garanhão lindo e negro está parado a alguns metros de distância, observando-os com mais curiosidade do que desconfiança. Ele parece cansado e começa a relinchar de forma triste e de partir o coração. Leyla procura em seus bolsos e encontra um sachê de açúcar que ela pegou no avião. Ela o abre, coloca o conteúdo na palma da mão e a estende em direção ao garanhão, sussurrando:
— John, não se mova. E você, meu lindo, venha aqui até a boa e velha Leyla, venha…
O cheiro destes humanos é tranquilizador, assim como suas posturas, e a voz suave da menina o atrai para a direção deles. Ele só hesita por um segundo, antes de se aproximar para mordiscar os cristais de açúcar na mão esticada da menina, lambendo a palma, onde o sabor doce do açúcar se mistura com o sal da
Capítulo 11
pele... Leyla levanta a outra mão e, gentilmente, acaricia a testa, a bochecha e, depois, seu pescoço, falando com ele o tempo todo.
— O que você está fazendo aqui sozinho, pobrezinho? Por que eles estão escondendo você neste jardim artificial, quando deveria estar galopando lá fora, feliz e livre, assim como Amira, minha princesa egípcia. Vocês fariam um lindo casal, sabe…
Ao mesmo tempo, barulhos de pancadas contra uma das janelas da torre podem ser ouvidos pelo castelo.
— Pai! — Deixe-me entrar!
O rosto incrédulo de Sergei aparece atrás do vidro. Um ou dois segundos se passam antes de recuperar-se do choque e correr para a janela para pegar a acrobata, pendurada no buraco, em seus braços, em um abraço apertado.
— Nadja! Você é louco de ter vindo aqui! Pensei que estava em segurança na Rússia!
Capítulo 11
— Você achou que eu ia te deixar à mercê daquele monstro? Venha, vamos sair daqui e fugir — ela acrescenta, saindo do abraço do pai e virando-se para a janela aberta.
— Espere, Nadja. Há algumas coisas que você precisa saber...
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Capítulo 12
É como se uma represa tivesse rompido dentro deste homem, que sempre foi tão silencioso, tão fechado. As palavras começam a jorrar. Sergei conta tudo sobre seu primeiro encontro com a família de Hannibal no país basco, o acidente trágico que tirou de Hannibal seu irmão mais novo, que parecia ser muito promissor, e que destruiu a estabilidade da família. Contou sobre o juramento feito ao pai de John Fitzgerald Hannibal, antes de sua morte, o pedido inesperado anos mais tarde para ensinar Hannibal a andar, ou melhor, a dominar os cavalos. Sobre a descoberta da loucura que agora o domina, ao ponto de identificar-se com Alexandre, o Grande. Também sobre Hannibal chamar de Bucephalus o garanhão negro preso no porão, em homenagem ao corcel do lendário Conquistador, e sobre só deixar o cavalo ir para o lado de fora quando os últimos raios de sol deixam o vale.
Em seu ouvido, Nadja escuta o clamor das vozes dos membros da Rede, que, chocados com as revelações de Sergei, bombardeiam-na com mais perguntas, antes de chegarem todos à mesma conclusão:
Capítulo 12
dois mil e quatrocentos anos atrás, Bucephalus, o cavalo que tinha a reputação de ser indomável, tinha medo apenas de uma coisa: sua própria sombra. Alexandre, com apenas doze anos de idade na época, entendeu isso intuitivamente . Alexandre montara em Bucephalus e, depois de uma longa luta de teimosia, conseguira virá-lo para o sol, escondendo a sua sombra e acalmando a fera. Bucephalus era um daqueles cavalos que só obedeciam a um mestre. Ele só permitia ser guiado pelo jovem garoto e o acompanhou lealmente por muitos anos de conquistas. Hannibal, todavia, não conseguia fazer com que cavalos confiassem nele e desenvolveu um medo supersticioso de que o garanhão preto, também de nome Bucephalus, pudesse fugir de seu controle, e decidiu impedir que ele visse qualquer resquício de luz solar.
Então Hannibal estava se preparando para montar em seu próprio Bucephalus, usando a estrela de Alexandre, o Grande, a fim de obter poder absoluto e imortalidade. E ninguém sabe o que este homem, que já tem tanto poder econômico, político e científico, e que é tão mentalmente perturbado, fará quando se tornar totalmente onipotente...
Capítulo 12
Professor Temudjin tenta acalmá-los:
— Vamos pensar de forma prática. Você encontrou o cavalo, mas não a estrela. Então o nosso primeiro passo deve ser encontrar e pegar a estrela.
— Leyla e eu estamos mais perto do centro do castelo — diz John. — Vamos procurar a estrela.
— Eu te ajudo — acrescenta Pablo. — Antes dos drones serem destruídos, vi o que parecia ser uma entrada de ar no alicerce do castelo. Vou tentar entrar por lá. Battushig e Salonqa, preciso que vocês fiquem de olho e me avisem se houver algum obstáculo no caminho ou alguém esperando por mim.
E quanto ao Sergei... Agora que Zaldia está de volta à Russia e ele reencontrou sua filha, ele quer sair do castelo o mais rápido possível. Nadja hesita. Ela encontrou o pai e não tem mais nada a ganhar ficando aqui por mais tempo. Mas os amigos e o Professor Temudjin se tornaram como uma família para ela. Ela vai abandoná-los agora que é a vez deles de arriscarem tudo?
Capítulo 12
Enquanto Nadja e Sergei deixam o castelo pela janela e descem pela corda, Leyla deixa relutantemente o garanhão preto e segue John escadaria acima.
E Pablo já começara a correr pelos pinheiros, determinado a continuar a missão que ele deu início. Ele está cheio de rancor pelo homem que atirou em sua égua, Tormenta, tão forma tão fria e voluntária, que prometeu acabar com ele. Os membros da Rede parecem muito pacifistas, muito covardes. Ele fará esta missão sozinho…
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Capítulo 13
Pablo chega na parte mais baixa do castelo. Ele corta a vegetação usando seu facón, o facão que os gaúchos argentinos usam preso em um cinto nas costas. Ele tira a tampa da ventilação e engatinha pelo duto estreito e escuro, que desce pelo subsolo. Ele estima estar abaixo do porão com o jardim artificial, onde o garanhão preto está confinado. Ao continuar, ele começa a notar um cheiro de antisséptico. Ele chega ao final da ventilação. Sob a luz fraca e artificial ele vê, por de trás das grades, uma sala com armários e prateleiras cheios de materiais médicos, como gazes, compressas, talas, garrafas e tubos em pacotes. Ele fica atento ao menor dos barulhos, verificando se há guardas por perto. Nada, apenas o som de fundo da maquinaria, tão regular quanto um coração batendo. A sala está vazia e parece segura. Ele remove a grade cuidadosamente e sai rastejando como uma cobra.
A porta não está trancada. Ele abre silenciosamente com uma mão, enquanto a outra segura a faca. O barulho mecânico é mais alto aqui. Ele desce o corredor e entra em um tipo de estábulo subterrâneo. Éguas em vários
Capítulo 13
estágios de gestação estão em baias individuais. Nenhuma delas está se mexendo. Mas estão respirando. Elas estão conectadas a equipamentos e máquinas que monitoram suas funções vitais. Em vez de nomes, há apenas números e gráficos nas portas das baias.
Pablo é tomado por um sentimento de inquietação. Ele tenta ignorá-lo e continua sua exploração, entrando em um laboratório imenso e deserto. Parece que tudo foi largado às pressas, como se os empregados tivessem evacuado o laboratório. Pablo, cujos nervos estão no limite, olha ao redor da sala e não consegue nem soltar um grito de horror e desgosto ao descobrir os aquários construídos nas paredes e o conteúdo deles. Cavalos inertes, em vários estágios de desenvolvimento, de embriões a recém-nascidos, flutuando em um líquido transparente.
— Alguém pode me explicar o que estou vendo? — ele pergunta, com a voz fraca do choque.
Depois de algum tempo, os membros da Rede escutam a voz do Professor Temudjin quebrar o silêncio nos fones de ouvido.
Capítulo 13
— Receio que estes sejam espécimes de experimentos de engenharia genética...
— Professor — diz Pablo, indignado —, sei que a engenharia genética pode ser usada para modificar tomates para fazê-los durarem mais tempo, ou tornar a soja mais resistente a pesticidas, mas isto?! Hannibal está fazendo experimentos genéticos em filhotes de cavalos?
— Filhotes que parecem todos os mesmos...
Diz Salonqa, com a voz fraca. — Professor, será que eles... são… uma tentativa de clonagem?
Os membros da Rede escutam a explicação sobre clonagem animal do professor com embrulho no estômago. — Você pega um pedaço da pele do adulto e extrai os fibroblastos, que contêm todos os genes do animal doador. Os fibroblastos são preservados em nitrogênio líquido, em um tipo de banco criogênico.
Então, um ovócito, ou futuro óvulo, é retirado de uma égua viva... ou uma que acabara de
Capítulo 13
deixar o abatedouro. O núcleo contendo o DNA é substituído por o de um fibroblasto descongelado para criar um embrião. A cada duas mil, cinco mil tentativas, uma funciona. Depois de sete dias de desenvolvimento, o jovem embrião é transferido para o útero de uma mãe substituta. Onze meses mais tarde, a mãe dará luz ao potro clonado, que carrega todos os genes do animal doador. Mas essas gestações são muito mais arriscadas do que uma gravidez normal e, apesar do progresso científico, a clonagem animal, infelizmente, ainda tem uma taxa de mortalidade de noventa e cinco por cento em embriões e fetos.
— Então — continua Salonqa, tentando concentrar-se nos números de maneira racional para não ser tomada pelas emoções —, se a clonagem for bem-sucedida, o potro será um gêmeo perfeito do doador, mesmo tendo nascido muito depois.
Pablo está tomado por uma tontura impossível de se controlar. Entre a visão destas “falhas” flutuando nos aquários e as éguas confinadas como ratos de laboratório, com as criações monstruosos gestando em suas barrigas, a fúria e o desgosto começam a tomar conta dele.
Capítulo 13
Ele sai correndo do laboratório para continuar sua busca por Hannibal. Agora ele tem ainda mais razões para se livrar dele de vez!
Pablo chega a outra porta. Com as mãos tremendo de raiva, ele a abre. Uma onda de ar frio avança sobre ele. É uma sala refrigerada com paredes completamente vazias. Salonqa avisa que essa sala não está na rede de câmeras do castelo, e que eles não poderão alertar caso haja alguma emergência. Pablo range os dentes e entra na sala, ar condensado saindo de suas narinas. Atrás de uma janela espessa há algum tipo de… escultura. Os olhos de Battushig arregalam-se quando ele vê as imagens transmitidas pela câmera de Pablo. Ele pega no braço de Salonqa, seus dedos apertando tanto que dói.
Ele está pensando no cavalo congelado, e a incrível semelhança entre esta escultura e o cavalo que caiu com seu cavaleiro, um dos soldados de Alexandre, o Grande, na fenda da geleira na Mongólia e que, depois, fora preservado em gelo por quase dois mil e quatrocentos anos. Hannibal passou por cima dos times de pesquisa do governo mongol e o transportou em seu avião refrigerado para a sua empresa
Capítulo 13
Hannibal Corp, nos Estados Unidos, especializada em criogenia. Depois disso, ninguém mais ouviu falar da descoberta. Se esse cavalo era o verdadeiro Bucephalus, e se Hannibal conseguiu extrair DNA do cavalo congelado, poderia ele ter criado um clone de Bucephalus?
Com esforço, Salonqa consegue tirar os dedos de Battushig de seu braço. Ela sacode seu companheiro, que parece ter virado uma estátua.
— O que foi? Parece que você viu um fantasma!
— Você não vai acreditar — ele responde, depois de um tempo. — O cavalo preso no gelo, aquele que caiu na fenda na geleira na Mongólia com o soldado de Alexandre, tenho certeza de que é ele!
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Capítulo 14
Os membros da Rede estão sentados, paralisados em frente à imagem da estátua de gelo, constatando que é, de fato, Bucephalus. O verdadeiro Bucephalus. Nos aquários e nas barrigas das éguas presas nas baias... São todos clones de Bucephalus, e o garanhão preto no jardim artificial, no porão, deve ser o clone bem-sucedido, perfeito.
Um alarme agudo começa a tocar pelo castelo, provavelmente ativado pelo aumento da temperatura na sala refrigerada, devido à porta ter ficado aberta por muito tempo.
— Saia daí, Pablo! — grita Salonqa. — Estamos perdendo o controle das câmeras Você não pode ser pego pelos guardas do Hannibal.
O jovem obedece automaticamente. Ele fecha a porta e volta, atordoado pelas recentes revelações sobre os experimentos de clonagem de Hannibal. Ele é atormentado por uma pergunta. Se ele tivesse acesso a essa tecnologia e fosse capaz de fazer manipulação genética, seria ele capaz de recriar a sua égua Tormenta a partir do DNA dela, caso não resistisse aos ferimentos?
Capítulo 14
John e Leyla sobem correndo as escadas do jardim artificial até o último andar. Quando chegam, duas das três portas estão abertas. A última, com a fechadura em forma de leme, está aberta. Com o alarme soando em seus ouvidos, eles só conseguem se comunicar por gestos. Agachados de cada lado da porta, gesticulam para entrarem na sala simultaneamente. Mas ela está vazia. Fascinados, aproximam-se do aparelho cilíndrico e complexo no meio da sala... A máquina é rodeada por vários suportes eletrônicos, cobertos com cúpulas de vidro que contêm unidades de visualização do tamanho de mãos humanas... todas vazias No meio da máquina, eles encontram uma estrela de cinco pontas, feita de bronze e gravada com letras e símbolos gregos, assim como as reproduções computadorizadas que Battushig criou. John, sempre cauteloso, olha mais de perto. Ele tem medo de a estrela estar protegida por um sistema possivelmente letal. Leyla, entretanto, opta por um caminho mais direto, pegando a estrela com as mãos. Ela grita para John:
— Depressa, temos que encontrar os outros lá fora!
Capítulo 14
O alarme para. John agarra Leyla antes de passar pela porta e a empurra contra a parede a tempo. Três guardas armados estão correndo em direção a eles. Por um segundo, John e Leyla pensam que acabou para eles, mas o primeiro guarda pisa na tábua em frente à porta, o chão cede embaixo dele, e os guardas aterrorizados caem nas profundezas do castelo. Eles podem ouvir gritos de desespero vindo lá de baixo, mas John e Leyla decidem ignorá-los e correr em direção à saída, evitando o buraco no chão.
Nos fones de ouvido deles, onde o som fora cortado por conta do alarme, escutam a voz de Battushig com muita interferência:
— Missão cumprida, todo mundo! Saiam daí imediatamente!
Salonqa faz uma pergunta incomum a Battushig, que está tentando manter a comunicação com os membros da Rede:
— Se você pudesse manter o selo da onipotência para si mesmo, o que faria com ele?
Capítulo 14
Mas Battushig, muito preocupado em sua luta digital, não a escuta. A expressão no rosto de Salonqa escurece. Ela sabe o que faria se ela tivesse que escolher. Ela nunca concordaria em manter a estrela e seus poderes. Ela não aguentaria a ideia de ser imortal e, ainda assim, sozinha para sempre. Ela preferiria aproveitar o presente e, talvez, o futuro com Battushig...
O pensamento dura pouco porque, enquanto John e Leyla correm para se juntar a eles, Leyla tropeça em uma raiz e grita de dor no tornozelo torcido. Ela cai no chão sentindo dor, e John para de correr para ajudá-la a se levantar. Leyla aperta os dentes para não chorar quando coloca o peso sobre o tornozelo. John coloca o braço embaixo do ombro para ajudá-la a andar, mas Leyla o empurra, apontando para algo brilhando entre as pedras e a vegetação. Quando Leyla colocou as mãos no chão para amortecer a queda, a estrela caiu de sua mão. Está, agora, em pedaços no chão, coberta por uma poeira esbranquiçada. John tenta pegar os pedaços para poder colocá-los no bolso, mas Leyla manca em sua direção e diz:
Capítulo 14
— Deixa, John. Não era a estrela verdadeira... era apenas uma cópia feita de gesso em Paris. Hannibal nos enganou.
John se levanta, desanimado.
— Alguém ouviu isso? Hannibal deve estar com o selo. Ele tentou nos mandar para longe do castelo. Temos que voltar e evitar que ele use a estrela!
Battushig levanta do computador depressa para ir para o castelo, mas Salonqa o agarra.
— Sem ofensas, mas você não está em condições de confrontar Hannibal em uma luta física. Se vocês me ajudarem, você daqui e Kushi da Mongólia, acho que tenho uma ideia. É a nossa última chance.
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Capítulo 15
O céu começa a escurecer. Leyla, cujo tornozelo torcido claramente os atrasará, está discutindo com John.
— Vá embora, me deixe aqui. Já está quase de noite. Hannibal e Bucephalus conseguirão fugir e sumir como baratas numa jarra de azeitonas pretas.
Pablo diz no microfone dele:
— Algum lugar sem sombras... o jardim no subsolo está vazio... Vá para a arena!
Mas quando Pablo chega na arena, e John logo depois, já é tarde demais. Hannibal está montado no clone de Bucephalus, parados no centro da arena, cuja iluminação anula qualquer sombra. É como ele estivesse esperando por eles.
— Vocês finalmente chegaram... — ele diz, com uma voz arrogante e orgulhosa, enquanto Battushig e Salonqa entram na arena logo atrás dos outros.
E, então, Hannibal anuncia friamente que poderia ter matado todos eles, mas preferira
Capítulo 15
juntá-los. Ele quer que testemunhem seu triunfo, agora que dominou o garanhão e restaurou a estrela. Pablo grita de raiva, pegando seu facón e começa a correr em direção ao centro da arena, mas Salonqa se joga na frente dele e o segura.
— Não! Não faça isso! John, me ajuda!
Hannibal ri maldosamente, seus olhos diferentes brilhando de felicidade. Ele desabotoa a gola da camisa e exibe o selo de Alexandre, o Grande, que está preso a um cordão em volta de seu pescoço. Ele não vê a sombra se movendo atrás dele. Ele não entende por que Bucephalus empina repentinamente, por que a areia da arena está iluminada, por que a sombra de um cavalo parece estar atacando seu Bucephalus e por que seu cavalo está em pânico, lutando contra as mãos que seguram as rédeas, contra as esporas que espetam seus flancos. Hannibal grita de frustração, golpeando o garanhão em pânico com o chicote que escondera na bota, deixando marcas de sangue pelo corpo do cavalo. Ele ignora os apelos de Sergei, que chegou na arena com Nadja ao seu lado e que está pedindo que ele pare de bater no garanhão. Ignorando o apelo, ele
Capítulo 15
bate ainda mais forte. Ele recusa-se a desistir, estando tão perto de conseguir tudo o que sempre sonhou!
Enlouquecido de medo e dor, Bucephalus luta, derrubando seu cavaleiro e fugindo para o mais longe possível da sombra má que o ataca. O momento em que Hannibal atinge o chão, algum tipo de onda elétrica parece correr pelo corpo dele e, repentinamente, ele pega fogo como uma árvore seca que foi atingida por um raio.
Enquanto os jovens olham paralisados para as cinzas do que fora Hannibal, Sergei, a alguns metros de Battushig, tenta o seu melhor para acalmar o garanhão. Então, como se estivesse falando consigo mesmo e olhando para o nada, com um projetor holográfico em miniatura na mão, Battushig diz as seguintes palavras:
— ‘Se, por azar, seu portador sucumbir à loucura ou raiva, ou sua ambição exceder à razão, a estrela o levará às ruínas.’ A profecia se tornou realidade... Perdoe-nos, Bucephalus…
A intuição de Salonqa estava certa o tempo todo. Hannibal tomou tantas
Capítulo 15
medidas para evitar que o clone de Bucephalus visse o Sol, que este se tornou a fraqueza que causou sua destruição. Como eles não conseguiram imitar a luz do sol, usaram fotos de Bucephalus para criar e projetar uma sombra holográfica de um poderoso garanhão e depois, fizeram parecer como se ela estivesse atacando Bucephalus. Ao quebrar o vínculo que Hannibal conseguira estabelecer com seu cavalo, eles o forçaram a revelar sua loucura e ambição excessivas.
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Capítulo 16
Epílogo
Sergei terminara de recolher seus pertences da casa que usaram como acampamento. Ao fechar a porta, ele pensa ter ouvido um relincho melancólico distante de adeus. Ele sabe que se lembrará do som dos cascos de Bucephalus trotando em direção à floresta para o resto da vida. O que acontecerá com esse garanhão excepcional, o cavalo que era tão orgulhoso e indomável, agora que foi solto na natureza pelo próprio Sergei? Ninguém nunca saberá... e, talvez, seja melhor assim.
Juntos no topo do vale, numa distância segura do castelo, os jovens fazem instintivamente um minuto de silêncio, um minuto de contemplação antes de realizarem um último ato. O castelo e seu temível conteúdo devem ser destruídos. Assim que seu chefe desapareceu, os comparsas de Hannibal não tiveram coragem de seguir os passos dele. As éguas foram soltas na imensidão da floresta. Tudo o que falta é apertar o botão e ativar uma série de explosões controladas pela internet. Mas, antes de virar a página do segredo dividido por Hannibal e Alexandre, eles ainda
Capítulo 16
precisam tomar uma última decisão. O que fazer com os cinco pedaços de estrela que Nadja pegou do chão da arena, depois que Bucephalus a esmagou de novo?
John é o primeiro a falar.
— Vamos todos levar um pedaço e escondê-los em lugares secretos, assim como os cavaleiros de Ptolomeu. Nunca diremos a ninguém onde os escondemos, nem um ao outro. É a melhor maneira de garantir que fiquem em segredo.
A sugestão de John é recebida com um silêncio profundo. Todos sabem que ele está certo, e que quem se responsabilizar por um pedaço terá que carregar essa obrigação para o resto da vida. Battushig quebra o silêncio, com um tom sério.
— Acho que todos sentimos... no fundo. A tentação do poder absoluto e da imortalidade é muito grande, apesar das melhores intenções. Se mantivermos contato, se tentarmos ver uns aos outros de novo, não sei se seremos capazes de aguentar a vontade de restaurar o selo e usar o seu poder.
Capítulo 16
— O que significa que não poderemos nos ver de novo — conclui Salonqa.
— Hmm... — interrompe Leyla, sua garganta apertada. — Há cinco pedaços da estrela e seis de nós. Então quem…?
Todos os seis levantam as mãos imediatamente. Depois de um tempo, os olhos de Leyla encontram os de John, e os de Battushig encontram os de Salonqa... Pablo, pela primeira vez, está feliz por ser solteiro, e Nadja percebe que nunca poderá ver seu pai de novo. Esta é uma escolha impossível de se fazer!
***
Sala de embarque, Aeroporto de Munique
Professor Temudjin caminha em direção aos jovens cansados reunidos na sala, aperta a mão de Sergei e troca alguns cochichos com ele. Eles se viram para o grupo, seus olhos cheios de afeição e compreensão.
Capítulo 16
— Os dois rapazes levarão um pedaço cada. Leyla e John, Salonqa e Battushig, não queremos separá-los um dos outros. O amor a tudo conquista...
— Pai? — resmunga Nadja, angustiada. — Se Pablo ficar com um pedaço, os casais levam um cada, e você e o professor levam os dois últimos. Isso significa que nunca mais o verei novamente?
— Você consegue pensar em alguém mais reservado do que seu pai? — responde Sergei, com um tom de brincadeira.
Nadja começa a chorar e se joga nos braços esticados do pai.
Quando a chamada para o embarque de seus voos ecoa pelo aeroporto, Professor Temudjin abraça cada um dos aventureiros.
— Adeus, meus amigos. Vocês tomaram a decisão certa, mesmo que tenham que pagar o preço de viver com este segredo para sempre... sem poder se ver novamente. Espero que vocês tenham uma vida longa, feliz e cheia de sabedoria, como a de Ptolomeu...
Capítulo 16
Memórias de Ptolomeu I Soter, Rei do Egito, aproximadamente 285 AC
... Tirei o selo de poder de Alexandre e quebrei cada ponta com a minha espada. Cinco cavaleiros foram confiados em carregar uma parte da estrela para o mais longe possível, para assegurar que ninguém nunca as junte novamente. O quinto cavaleiro, meu melhor soldado, montou Bucephalus... e seguiu para um dos cantos distantes da Terra.
... Alexandre nunca mais foi o mesmo. Abandonamos a conquista da Índia e recuamos. Alexandre morreu de malária na Babilônia, antes do seu aniversário de trinta e três anos.
... Acabei de celebrar meu octogésimo aniversário e, em toda a minha longa vida, nunca vi nenhum dos cavaleiros de novo. O mundo é muito grande para uma única pessoa tentar governá-lo sem causar a sua destruição. Rezo a Zeus e Amun para que, até o fim dos tempos, ninguém consiga juntar os cinco pedaços do selo de Alexandre, o Grande.
Fim